domingo, 18 de dezembro de 2011

NÓS E A ARTE WALK-OVER



NÓS    E    A    ARTE

WALK - OVER





         Você não era você em termos de arte, na sua cosmovisão da realidade circunstante e suas tendências para o transcendental, cheio de contradições e desacertos humanos, agindo assim como quem desobedeceu a ordem dos deuses, com o propósito de agitar consciências críticas e naufragar em águas introspectivas da sua personagem-vítima, ainda confusa, cheia da diversidade de tendências até então incompreendidas numa ressonância permanente. Mas tinha um timbre inconfundível de sua arte poética na arena da linguagem e da abstração visionária de quem se analisa a si mesmo, sem complascências.  Devoto e aguerrido, indefectível numa propositura (talvez seja cabível aqui até falar-se em precisão de linguagem e ser redundante para dizer-se exatamente sobre o domínio da linguagem que sempre você  pôde usar) subjazendo numa verdadeira oblação artística e literária, gerando sempre uma acirrada polêmica sem dúvida honesta e profícua, constituindo uma catarse,  embora habitando um segmento às vezes à parte, mas que caiu, pelo menos temporariamente, em despretígio, apesar de ter evitado, laboriosamente, todas as matrizes da origem social, mesmo remotamente, utilizando-se da linguagem radiotelegráfica, aliás com objetivo muito menos nobre do que qualquer tentativa de antropomorfização do seu eminentíssimo testamento  linguistico-artístico-poético apregoando sua simples condição humana, enfim: o que foi e não foi.


         Captou em imagens uma significativa fantasia de se poder criar um mundo através da arte de vanguarda, indissociável do processo criador onde há várias maneiras de escrever sua história, do qual  haverá,  a rigor, um país que preze por sua História e sirva de fio condutor de alguma outra história, sendo sua ou de outrem, a partir de um ponto insólito que até nos dificulte visualizá-lo, sendo certo ainda que deveria percorrer um fluxo contínuo sob a orientação das linguagens abstratas a partir do ajuntamento de fragmentos recolhidos, onde o princípio essencial seria a experimentação de transpor novas formas, catalisando nódoas do artifício inalcançável por vias diversas para figurar o sentido das palavras e das meditações fenomenológicas. Ipsis litteris a arte dos diálogos sobre a problemática contemporânea e seus vínculos de interdependência, ou seja, a angústia metafísica do desconsolo do homem.


         Um dia sobreviverei às custas das minhas próprias liturgias laborativas e da inexorabilidade da afetividade subterrânea, em contraposição aos conflitos eminentes e realidades múltiplas de um conhecimento meramente iniciático dos ambientes corriqueiros, serei como uma poesia de ferro, ou uma obra de arte inacabada que comova o leitor, como um prazer animalizado, sem nuanças de melancolia, decerto alguma irresolução transitiva de uma arte direta na tessitura do gesto alucinado, uma certa irregularidade e impureza, até dar-se conta da obsolescência de uma maneira autorreferencial numa crise de consciência social em dissenso. Nada de psychedelic na sombria topografia de táteis perspectivas da intelligentsia nacional. Serei talvez uma poesia sensorial de sábia disciplina, evidentemente que não se poderá exigir-se fidelidade porque isso nem é humano. Viverei entre cheiros de livros e paisagens de bibliotecas, me sentirei feliz na companhia dos livros dentro de um espaço em que se pode ler qualquer livro. Ouvirei sons de palavras soltas, de conversas ocas. Verificarei que os invisíveis inventaram esta senha na qual eu deveria estar em algum lugar entre os mapas. Sim, happening mesmo! Quando a parcela pensante do país tiver em nosso território uma sólida tradição editorial, quando não houver apologia da sociedade de consumo ou o gosto pelo kitsch,e instalar-se o engajamento explícito para se fazer a arte de protesto em legibilíssimas metáforas possuindo dimensões políticas evidentes, ao chegar nesse ponto, todos morreram antes. Claro, ter  a fantasia de se puder criar um mundo menos conflituoso, fazer arte sem a menor frivolidade, mas sim cheia de visceralidade, ou seja, fazer arte é estar no mundo, é conseguir modificar os sentidos, dos  quais não haverá; nem raça negra, nem raça branca, mas sim raça humana. O fim da falta de sabedoria e vontade de conviver com as diferenças, amando os seres humildes e a grandeza dos sentimentos humanos daqueles que sabem das coisas. Vivenciarei os momentos epifânicos e sem dúvida, honestos.


         Indubitavelmente vivemos uma crise de civilidade; resultado da falta de sentido da existência. Parece-me tem havido mais silêncio do que o desejável. Apenas meditar na polarização entre razão e emoção não passa de açular os espíritos céticos, mas é a partida para uma fecunda eclosão,  elegendo-se condutores diferentes para que a criatividade atravesse caminhos imprevistos de transitoriedade; suporte para uma proposta sem inexatidão, contrapondo-se ao puro cálculo do possível problema humano, dando-se vazão ao sentimento trágico do mundo da introspecção.
         Em arte, meras improvisações não são nada porque não desenvolvem a sensibilidade do indivíduo, não fazem uma cesura definitiva para formação da personalidade. É claro que todas as linguagens podem ser perenes, em contraposição ao modernismo decadente. Mas pelos contrastes de uma  consciência artística como designadora e preparadora de uma irrupção de um movimento cheio de ineditismo, sem lirismos mágicos ou surrealismos mitigados, ou muito menos entropia tropical; subproduto destinado a cimentar gestualismos sociais da burguesia urbana, poder-se-ia construir uma verdadeira catarse, fazer-se um knock-out aos falsos brasileirismos, bafejados pelo sucesso que descamba frequentemente para o consumismo frenético e ao fanatismo atávico,  construir-se sim uma action painting bem politizada e pronto: eis a obra.


   Olinda, 18 de dezembro de 2011.

             WALKER LIMA
               









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