sexta-feira, 10 de junho de 2011

O MAPA

           Muito antes de toda civilização ter seus primórdios, há muito tempo mesmo,  quando  nem sequer haviam  vestígios da História. Quanto mais se pensar em escrita! Nada,  absolutamente nada  existia em termos  dos caminhos a serem trilhados pela Humanidade...
           Misticamente recebí todas as informações daquilo tudo que haveria de ocorrer, tudo veio barossensível e  de alhures... Fiquei alucinótico ao me deparar, há milêncios atrás,  diante da seguinte distribuição de povos que haveriam de habitar a futura "América" ou  o chamado  "Novo Mundo". Conseguí com muita acuidade, modéstia a parte,  colocar em ordem; do norte para o sul, a  tal distribuição:




"Estamos próximos mas estamos há uma distância incomensurável, estamos próximos mas estamos sós"
Ernesto Sabato




          Preciso mostrar mais de perto:



Eu não evoluo, sou. Eu não procuro, descubro.
Pablo Picasso


     

            Muito tempo depois, após o surgimento da História através da escrita. Após a Idade Antiga, e após o transcorrer a Idade Média. E ao chegar a Idade Moderna...  exatamente em 1480 DC o mundo foi dividido, entre duas potências,  pela primeira vez,  através do Tratado de Toledo, criava-se dois hemisférios, ao norte: espanhol, e ao sul: português. Foi muita história a "medição"... sobretudo porque quando se jogava qualquer objeto a partir dos Açores,   da marca pretendida (pela Espanha) de 100 léguas a oeste, tal objeto  só caía em pleno Oceano Atlântico! Finalmente, sem a participação do papa espanhol à época(Alexandre VI), foi assinado em 1494 o Tratado, na cidade de Tordesilhas, dessa forma Portugal  impôs 370 léguas a  oeste de Cabo Verde, e desta feita ficou com o domínio exclusivo de ambas as margens do Atlântico incorporando um Brasil que só seria "descoberto" seis anos depois.  Estabeleceu-se as bases do Império luso-afro-brasileiro. Ficaram de fora da tal "divisão":  França, Inglaterra, Holanda, e outros importantes  países à época. Fato é que "dividiram o mundo ao meio" literalmente, naquilo que ficou vulgarmente conhecido como o "Testamento de Adão"...
            Antigos povos habitavam "Pindorama" como se chamava o Brasil antes disso tudo,  e ao invés, de terem chamado os nativos habitantes por suas originais denominações, não, passaram a chamá-los de "índios" justificando essa nomenclatura sob a falsa fundamentação que por ocasião do "descobrimento" tinham achado as Índias, quando houvera o "desvio" da esquadra de Cabral devido a tempestades. 
            No dossiê recebido por mim em eras incontáveis... dentre a documentação, havia o seguinte mapa intitulado "O Inegociável":




Cinema-verdade? Prefiro o cinema-mentira. A mentira é sempre mais interessante do que a verdade.
Federico Fellini


            Em intermitentes ocasiões fiquei pensando na amoralidade daquilo tudo. Mesmo dentro da mística situação na qual me encontrava, ficava estarrecido com tamanha desventura de um povo, ou melhor, de vários povos, de tantos lugares. Então, eu tomaria uma espécie de batiscafo e mergulharia  na fundura possível para poder aquilatar aquela verdadeira turbação. O esbulho causado por navegantes estrangeiros vindos em massa. É bem certo que sempre, sempre, houveram diversos navegadores oriundos de  diferentes localidades: ora eram fenícios, ora eram escandinavos, mas ocorreu a vida inteira de estarem nessas terras e minha maior preocupação persiste até o dia de hoje, se resume à grande desvantagem em relação as mais belas mulheres nativas, e minha confusão foi tamanha que tive de fazer determinadas anotações em relação  ao realizado menoscabo :



Um livro é um grande cemitério onde, sobre a maioria dos túmulos, não se podem mais ler os nomes apagados.
Marcel Proust



            Fiquei embarcado numa embaraçosa elucubração, não saía do meu pensamento a turbação, aquilo me feria e me magoava, precisava de um medicativo, mas como procederia se não tinha medicomania... e no meu estranho pensamental vinham os instrumentos; não médicos, mas náuticos de navegação: Quadrantes, Oitantes, Grafômetros, Astrolábios, Balestilhas e uma parafernália circudavam minha mente sem parar. Minha honestidade ficava embananada. Amainava meu imaginário a justaposição ao refletir naquelas lindas mulheres...persuasivo  projetava-as cinco séculos a frente:




Se o veneno, a paixão, o estupro, a punhalada
Não bordaram ainda com desenhos finos
A trama vã de nossos míseros destinos,
É que nossa alma arriscou pouco ou quase nada.
Charles Baudelaire
          
            Minha honorabilidade estava sendo provada, a libidinização já alcançava um processo sem antecedentes na minha instância mais íntima. Abordava a conjuntura, me ardia envolto a tantas questões, questionava em voz alta: O que poderei fazer?!? 
             Partí então para fazer um exercício de mimese, passei a mineralizar nomes...os nomes das importantes mulheres, fiz o exercício de garimpagem na memória eloquente e profunda, na verdade não conseguiria  jamás  esquecer os originais nomes delas, senão vejamos:



Toda coerência é, no mínimo, suspeita.
Nelson Rodrigues

            Sofrí uma verdadeira parbolização, resultei sem minhas melhores qualidades pensamentais. Destarte, o que poderia fazer? Faria paréctase?!? Ou dizendo em miúdos: encheria a linguiça com quê? Como procederia axiologicamente falando a respeito de tamanha obstinação em relação às mulheres? As mais belas mulheres do mundo, seriam alí forjadas naquela história inúmeras vezes posteriormente contadas por respeitáveis contigentes de:  historiadores, sociólogos e antropólogos...enquanto eu  apenas delirava:



"Assovia o vento dentro de mim.
Estou despido. Dono de nada, dono de ninguém, nem mesmo dono de minhas certezas, sou minha cara contra o vento, a contravento, e sou o vento que bate em minha cara."
Eduardo Galeano

            No fundo no fundo minha paura e o meu ciúme iam  muito além das belezas físicas  desfeitas e de todo patrimônio estético-cultural para sempre invadido a partir daquela contemporização, equivale dizer, com a invasão em massa dos colonizadores europeus, tendo ainda havido o disparate de terem mandado para sua colônia o que havia de pior na metrópole; em termos de "gente",  através da pena de degredo.
              Fiquei desgostoso com a História porquanto nunca conhecí as mulheres na sua naturalidade , vivendo conjuntamente com a Natureza, há quem fale que isto não passa de Romantismo, pois então sou romântico.  Ou fiquei após a prematura revelação supra  mencionada, mas é bem verdade que minha única e exclusiva preocupação seria preservar as lindas mulheres do arquétipo consciente que trago em mim agora.
             Mas algo que me apraz até hoje entre as mulheres, talvez somente existente na literatura...é o amor de Penélope por Ulisses, no tocante à espera dela por seu grande amor...Mas você há de perguntar o que tem isso a ver? Respondo-lhe: esse é o aspecto do sentimento  verdadeiro mais desejado por um homem.  E a História impossibilitou de sentirmos isso para todo sempre. Como bem disse James Joyce: "A História é um pesadelo de que tento acordar".



Nunca tive os olhos tão claros e o sorriso em tanta loucura. Sinto-me toda igual às árvores: solítária, perfeita e pura
Cecília Meireles




O que será ser só
Quando outro dia amanhecer?
Será recomeçar?
Será ser livre sem querer?
Chico Buarque


4 comentários:

  1. Grande Walker, andarilho das índias ocidentais, mentais, astrais e sexuais, que navegada massa meu irmão!!!

    Grande Abraço!

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  2. Walker, certamente este roteiro é extremamente catalizador de temas que permeiam "Mentes Brilhantes", em que a partir da História Antiga, esboças um mapa que denuncia a forma aviltante,como os verdadeiros donos de Pindorama são tratados por imbecis colonizadores, mostrando sobretudo a sensualidade dos povos nativos, sobretudo a beleza e a sensualidade das mulheres que habitavam conjugalmente com a natureza, despertando desta forma a tara dos colonizadores. Parabéns,acabei de fazer uma viagem Surreal e Felliniana. Excelente!

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