segunda-feira, 23 de maio de 2011

CRÔNICAS DA AUTOBIOGRAFIA





DJALMA GOMES DE LIMA  e MARIA DIRCE CAVALCANTI DE LIMA - Meus Pais

          Meus pais nasceram em Garanhuns, cidade localizada no Agreste Meridional de Pernambuco, no Nordeste brasileiro. Também conhecida como "Cidade das Flores" ou "A Suiça Pernambucana" devido seu clima ameno no verão e temperaturas baixas no inverno, situa-se no Planalto da Borborema, região montanhosa, tendo Altitude média de 900m. Atualmente conta conta cerca de  130.000 habitantes e fica a 228 Km de distância da capital Recife.











                                                                Desde criança quando escutava o som do carro de boi se aproximando eu corria para rua e pulava em cima, montava e subia as ladeiras daquela cidade serrana, me sentia um príncipe no meio do povo e assim também era tratado com  simplicidade. Dormia sempre as noites mais escuras no meu quarto, na casa feliz dos meus avós, a noite vinda daquele telhado tão alto, era tão escura que pensava estar cego, meu sono era acompanhado pelos "sonhos em voz alta" do meu avô, ele falava de tudo: onças-pintadas, jaguatiricas,  saguins e outros macacos pulavam de todos os lados, muitos animais perigosos, emboscadas, mencionava pássaros, falava de arremedos, de tocaias, de encontros com cangaceiros, jararacas, caninanas,  jogos de azar... enfim era  uma verdadeira narrativa sertaneja cheia  de figuras próprias; invariavelmente um "mosaico" narrado pelo monólogo de vovô de infinita realidade do mais genuíno imaginário popular do nordestino brasileiro.



                Amanhecer o dia de paz era lindo: o meu louro...botar a bolacha molhada com leite p'ra ele. Ir escovar os dentes no quintal, levando a escova e um copo com água pela metade. No comprido quintal, de fato era uma extensa língua de  terra onde havia uma enorme uma plantação toda suspensa de chuchu debaixo de muitos pés de mamão, havia pés de laranja,  pés de fumo, enxame de abelhas uruçu, uma pequena horta em seus leirões,  o "caco" ao fundo e lá trás o chiqueiro onde sempre eu levava a "lavagem" para os porcos.  Via meu avô sentado no banco da cozinha sempre colocando os chaninhos(gatos) no colo e com todo amor ficava coçando a cabecinha deles.  As galinhas de capoeira esperando o milho. Minha avó já cedo na cozinha iniciava seus guisados, ela  era só-amor, Vovó Maria.



            Íamos para feira livre todos os dias, eu e meu avô, sempre acompanhados de perto por Rex, um cachorro incomparável. Eu ajudava meu avô a vender e  comprar: feijão, farinha e milho. Naquele tempo os cereais eram vendidos pelo sistema de Litros,  apenas muito tempo depois é que chegaram as balanças com os pesos de quilogramas. Na feira se utilizava os Litros feitos de estanho, que vinham estapamdo com a inscrição 1 Kg, ou 1/2 Kg. O  povo do sítio comprava farinha quebradinha ainda quentinha, pedindo uma "cuia" (15 kilos) ou "1/2 cuia" ou "dois litros de feijão".


            Meu avô, a decência em pessoa,  sempre com sua bela capanga, usada em diagonal,  toda bordada em couro de cores singelas, sempre vestido de casaco na cor cáqui (terno masculino de grosso tecido de brim que serve de agasalho), às vezes tirava de um bolso um par de pedras e enfiava a mão no outro bolso sacando um pequeno terminal de chifre, na verdade uma ponta de chifre com uma tampinha também de chifre, entrelaçadas as duas partes por um cadarço feito de couro, dentro havia um capucho de algodão "in natura", daí num ato mágico ele lascava uma pedrinha na outra e a faísca ia bem em cima do algodão e prontamente iniciava-se uma pequena combustão;  acendia o cheiroso cigarro, era o próprio  "isqueiro dos Flinstones", meus olhos ficavam fascinados. Ele também  gostava de cheirar tabaco(rapé), muitas vezes ele incensava a casa com aquele perfume ao preparar o pó, fazia  aquilo usando uma quenga de côco e sob o fogo brando ia colocando os ingredientes que tirava das gavetas de um velho birô,  abarrotadas de tudo que se pode imaginar, e ia torrando e pilando, vovó às vezes falava "esse torrado ainda acaba com Floro", quando ele tomava um porre, haja espirro!


            Mas eu amava sair todas as noites segurando o braço de Papai Floro, íamos tomar um cafezinho e sempre queimava meu bico  no Café Íris, na Av. Santo Antônio. Assistíamos aos domingos no Cine Jardim,  as matinês, comprávamos bombons de menta na entrada, íamos ver os filmes de Far West. Quando o mocinho botava prá efe, nossa! O cinema quase vinha abaixo pela matutada que torcia com voracidade batendo os pés no chãos, como se estivesse ao vivo participando daquilo tudo, aplaudia e vaiava com todo vigor e franqueza. Ao lado do cinema, na praça Dr. Jardim  sempre tinha aquela meia-dúzia de lambe-lambes, era engraçado ver aquele povo se arrumando, passando as mãos úmidas de brilhantina  no cabelo, diante de pequenos espelhos, se preparando para tirar um "retrato". Certa vez fui tirar uma fotografia dessas, eu  já adolescente  tinha aquele princípio de bigode, achei por bem ir em casa e passar a gillette e prontamente voltei para fazer a fotografia, quando fui buscá-la fiquei pasmo,  estava de bigode! Reclamei a Zezinho  o lambe-lambe,  ele com naturalidade disse: Eu retoquei e achei que você fica melhor de bigode - é a pedida do momento!




            Subia e descia as ladeiras por entre todos tipos de coisas próprias das feiras: Tatús-Bola, Alfinins, gente vendendo caixa de fósforos e alho, querozene "Jacaré" em lata, etc.etc. Os fretes buscavam seu espaço de passagem dizendo  "óia o pesado!!!"  Era uma verdadeira  meca aos sábados: Jipes, Pickups, muitos carros-de-boi, algumas lambretas, cavalos, jegues. Os burrinhos carregando água que vinha da Serra Branca, águal mineral de  finíssima qualidade. O leiteiro trazia na cabeça aquele estranho  artefato  feito de flandre, sempre tinha um paninho bem enroladinho  para acolchoar a cabeça, a tampa da coisa  ao virar de cabeça para baixo tornava-se o funil, na sua chegada dia sim dia não, corríamos à porta com a vasilha apropriada para o leite.

             Meu avô sempre manteve um cofre em casa, dentro do seu quarto, às vezes tinhámos que dar uma forcinha para puder fechá-lo, principalmente depois que,  juntos contávamos e organizávamos o dinheiro do "apurado".  Papai Floro, aprendí desde cedo chamá-lo assim mas seu nome civil era Florentino de Souza Cavalcanti, ele  amava caçar, em casa sempre teve seu "arsenal"  junto com os "embornás". Ajudava vovô a recarregar os cartuchos, era uma liturgia, usar o extrator para retirar as  espoletas já usadas  dos cartuchos de latão, de vários calibres: 22,  28 ou  32,  medir a pólvora, medir o chumbo,  fazer as buchas com papel rôxo que eram usados nas embalagens de maçãs vindas da Argentina, depois encher os cintos de couro apropriados para levar o "carrego". Foi não foi, comíamos a caça que vovô trazia: rolinhas, anús e outras caças. Vovó fazia bem assadinho.


Nostradamus

           Vovô era vaidoso e gostava de pintar o cabelo(ele próprio retocava com tinta discreta). Fazia a barba com uma maestria utilizando-se de uma navalha bem guardada numa caixinha especial junto com uma pedra retangular de especial material que servia para amolá-la; depois passava bastante álcool na face. Não lhe faltava um bom  relógio de pulso, e à noite usava seu impecável chapéu Prada de feltro.  Beber para ele era algo muito especial, em raras ocasiões pedia uma  cerveja preta. Gostava de encontrar os amigos e um das suas conversas prediletas era falar sobre Nostradamus e Júlio Verne, ele ía fundo.



            Da nossa casa ouvíamos os sinos da Matriz chamando seus fiéis. Morávamos lado a lado de uma torrefação de café, o movimento dos caminhões trazendo o café tipo exportação ainda verdinho. Os carregadores faziam aquela engenharia toda para amarrar a carga sob a lona, cargas  que decerto  partiam para longe. Sempre perfumava o ambiente a torrefação, e na frente da casa os grãos de cafés se espalhavam.
  


   
         Três casas abaixo havia uma família de músicos, uma verdadeira orquestra, na verdade era a família de Toinho que tocava no Quinteto Violado, alí sempre embalavam sons, músicas, e claro, acabava sempre no forró, por alí passaram grandes nomes da música nordestina, como: Mestre Chicão, Manuel Maurício, Zé Calixto, Geraldo Correia, Pedro Sertanejo, Abdias, Gerson Filho, Luiz Gonzaga, Dominguinhos e tantos outros,



      
MARIA TELES CAVALCANTI - Minha Avó





Um comentário:

  1. Papai, arrasou com o texto.
    Você é brilhante. Que orgulho da nossa história.
    Te amo muito. Um beijo grande.
    Karen

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